Este é o tipo de postagem que deveria ir para o blog acadêmico. Mas como não é nada muito específico e contém assuntos que considero importantes para o público geral (além do fato de eu ainda não ter iniciado o blog acadêmico), decidi posta-los no blog pessoal.
Esta é uma entrevista que concedi a duas alunas do curso de Jornalismo na Universidade Católica de Brasília. A ideia era conversarmos sobre o Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, da CAPES, sobre a importância das pesquisas científicas para o país e sobre os cortes nas bolsas do Programa.
Seguem as perguntas que achei relevantes postar aqui e minhas respostas:
Esta é uma entrevista que concedi a duas alunas do curso de Jornalismo na Universidade Católica de Brasília. A ideia era conversarmos sobre o Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, da CAPES, sobre a importância das pesquisas científicas para o país e sobre os cortes nas bolsas do Programa.
Seguem as perguntas que achei relevantes postar aqui e minhas respostas:
Por que você achou necessário viajar para completar sua pesquisa? Comente sobre sua experiência com o PDSE.
Tenho formação em Linguística enquanto Ciência Cognitiva, trabalhando com Psicolinguística e Neurociência da Linguagem na UFRJ. Meu projeto propõe uma hipótese alternativa a um dos fenômenos psicolinguísticos descritos na literatura (coerção aspectual), através de uma interface com a Percepção do Tempo. O problema é que existem poucos laboratórios que trabalham com Percepção do Tempo no Brasil. Na época que parti para o Sanduíche eu não conhecia nenhum, embora eles já existissem. Trabalhar no NeuroSpin em especial, facilitou enormemente minha pesquisa pois lá eu convivia com as discussões dos dois lados da interface linguagem-percepção do tempo.
Mais além, a Psicolinguística é praticamente desconhecida no Brasil fora dos Programas de Pós Graduação em Linguística e em Antropologia. Já a Neurociência da Linguagem não preciso nem comentar. A maioria das pessoas, quando escutam falar do assunto, pensam logo em Programação Neurolinguística (PNL) que não tem absolutamente nada a ver com Linguística! A disciplina ainda é muito recente no país. A primeira tese foi defendida em 2002 e o primeiro laboratório foi criado em 2006 na UFRJ, o ano que eu comecei minha iniciação científica. Sou da primeira geração de IC e, agora, de doutores do laboratório. Grosso modo, no Brasil, a maioria das pessoas com quem posso discutir o assunto em detalhes são minha orientadora, meus colegas de laboratório e alguns cientistas que abrem espaço para a interdisciplinaridade nas Universidades do país.
Quais os ganhos (importância) de sua pesquisa para o Brasil?
Acho que é importante definir “importância para o Brasil”. Normalmente, quando se ouve isso, prevalece uma espécie de senso comum em que o conhecimento deve trazer algum lucro ou ter aplicabilidade clara e imediata. Vocês podem até ver isso na Engenharia, na Medicina etc. Mas a ciência em geral não é feita pra isso, elas são feitas para gerar conhecimentos que poderão, no futuro quem sabe, ser aplicadas em setores que possuem interface com, digamos, o ‘mundo real’.
Por exemplo, você vai ver a Engenharia utilizando conhecimentos da Física e da Neurociência para criar aparelhos de ressonância magnética (MRI). Estes aparelhos voltam para as neurociências para melhorar suas pesquisas. A Neurociência, por sua vez, não apenas usa os produtos da engenharia, mas também vai fornecer conhecimentos para a Medicina que também fará uma aplicação prática. Dependendo da pesquisa, a Neurociência, a Educação, a Informática e outros, também usam e fornecem conhecimentos da e para a Linguística. A Neurociência da Linguagem busca monitorar o funcionamento da linguagem no cérebro. E assim, aos poucos, podemos compreender o que causa e como lidar com algumas disfunções da linguagem como, por exemplo, a dislexia e dislalia. Mas antes de chegarmos a estas aplicações práticas, existe um longo caminho a ser percorrido. E as aplicações são consequências da compreensão de um fenômeno. Não sabemos que podemos alcançá-las quando iniciamos uma pesquisa de base.
Se por importância entendermos o ganho imediato para o país, dependendo da área de atuação, qualquer resposta além de ‘não sei’, muito provavelmente será mentira. Se entendermos por importância o conhecimento adquirido pro Brasil, também seria no mínimo egoísta citá-los uma vez que os ganhos são para a disciplina e para a ciência em geral. Por isso nossos trabalhos devem ser reproduzidos e discutidos nos quatro cantos do planeta antes de ser realmente aplicado. Se a aplicação for descoberta primeiramente no Brasil, aí sim podemos falar em importância para o país. Mas para que isso aconteça, é preciso estar atento ao conhecimento. Por isso é importante que o conhecimento seja discutido e desenvolvido no Brasil. Criatividade para usar e aplicar o conhecimento nós temos de sobra, mas não se faz omelete sem ovos.
O que você acha da suspensão do programa para os novos candidatos? Acha uma perda para o país?
Esse é um assunto polêmico. Vejo muita gente reclamando da CAPES, do MEC, mas a agência e o ministério são vítimas do corte que o Governo impôs a eles. As agências não podem simplesmente enviar o aluno pro exterior e, no meio do estágio, cortar a bolsa de todo mundo e mandar voltar por falta de verba. Meses antes da minha saída do Brasil, em 2012, muitos bolsistas reclamavam dos atrasos constantes no pagamento. Eu saí com medo mas, felizmente, deu tudo certo e o pagamento das bolsas se estabilizou. Por outro lado sei que este problema pode arruinar os planos e sonhos de muitos bolsistas que já tinham se programado para ir, e agora não terão tempo hábil para adiar a viagem. É uma questão complicada que precisa ser observada pelos dois lados para tentar não ser injusto com nenhum deles. Na irresponsabilidade com a pesquisa dos doutorandos, a CAPES mostra sua responsabilidade com a vida dos mesmos lá fora. Nesse ponto eu concordo com a CAPES, o que não significa que sou a favor dos cortes.
Na sua opinião, qual seria a melhor solução a ser tomada pelos estudantes? E pelo governo?
Se quisermos reclamar e nos manifestar, isto deve ser feito para o Governo, não contra a CAPES. Talvez uma conversa com o ministro Renato Janine uma vez que ele já mostrou dar ouvidos para a opinião pública e tem algum diálogo com o Governo. Não acredito que resolva, mas ao menos é uma pressão que acredito fazer mais efeito do que uma reclamação contra a CAPES.
O problema é que entramos no novo ciclo. Infelizmente, as contas do Governo também sofreram bastante. Esta recessão é necessária frente à irresponsabilidade fiscal dos últimos quatro anos. Meu questionamento seria em cima das prioridades do Governo. Não vou simplesmente dizer que o Governo não está preocupado com a Educação e com a Ciência somente porque estes são os setores que mais afetam o atual momento da minha vida. Não tenho minhas conclusões sobre a situação dos outros setores e a redistribuição de verbas. A única coisa que posso dizer é que o Governo, no mínimo, deveria dar uma explicação bastante clara e objetiva sobre a motivação dos cortes e o redirecionamento destas verbas. Da mesma forma que temos que prestar contas ao Governo sobre nossas bolsas, acho que eles deveriam prestar contas aos que foram de alguma forma prejudicados por estes cortes.
Tenho formação em Linguística enquanto Ciência Cognitiva, trabalhando com Psicolinguística e Neurociência da Linguagem na UFRJ. Meu projeto propõe uma hipótese alternativa a um dos fenômenos psicolinguísticos descritos na literatura (coerção aspectual), através de uma interface com a Percepção do Tempo. O problema é que existem poucos laboratórios que trabalham com Percepção do Tempo no Brasil. Na época que parti para o Sanduíche eu não conhecia nenhum, embora eles já existissem. Trabalhar no NeuroSpin em especial, facilitou enormemente minha pesquisa pois lá eu convivia com as discussões dos dois lados da interface linguagem-percepção do tempo.
Mais além, a Psicolinguística é praticamente desconhecida no Brasil fora dos Programas de Pós Graduação em Linguística e em Antropologia. Já a Neurociência da Linguagem não preciso nem comentar. A maioria das pessoas, quando escutam falar do assunto, pensam logo em Programação Neurolinguística (PNL) que não tem absolutamente nada a ver com Linguística! A disciplina ainda é muito recente no país. A primeira tese foi defendida em 2002 e o primeiro laboratório foi criado em 2006 na UFRJ, o ano que eu comecei minha iniciação científica. Sou da primeira geração de IC e, agora, de doutores do laboratório. Grosso modo, no Brasil, a maioria das pessoas com quem posso discutir o assunto em detalhes são minha orientadora, meus colegas de laboratório e alguns cientistas que abrem espaço para a interdisciplinaridade nas Universidades do país.
Quais os ganhos (importância) de sua pesquisa para o Brasil?
Acho que é importante definir “importância para o Brasil”. Normalmente, quando se ouve isso, prevalece uma espécie de senso comum em que o conhecimento deve trazer algum lucro ou ter aplicabilidade clara e imediata. Vocês podem até ver isso na Engenharia, na Medicina etc. Mas a ciência em geral não é feita pra isso, elas são feitas para gerar conhecimentos que poderão, no futuro quem sabe, ser aplicadas em setores que possuem interface com, digamos, o ‘mundo real’.
Por exemplo, você vai ver a Engenharia utilizando conhecimentos da Física e da Neurociência para criar aparelhos de ressonância magnética (MRI). Estes aparelhos voltam para as neurociências para melhorar suas pesquisas. A Neurociência, por sua vez, não apenas usa os produtos da engenharia, mas também vai fornecer conhecimentos para a Medicina que também fará uma aplicação prática. Dependendo da pesquisa, a Neurociência, a Educação, a Informática e outros, também usam e fornecem conhecimentos da e para a Linguística. A Neurociência da Linguagem busca monitorar o funcionamento da linguagem no cérebro. E assim, aos poucos, podemos compreender o que causa e como lidar com algumas disfunções da linguagem como, por exemplo, a dislexia e dislalia. Mas antes de chegarmos a estas aplicações práticas, existe um longo caminho a ser percorrido. E as aplicações são consequências da compreensão de um fenômeno. Não sabemos que podemos alcançá-las quando iniciamos uma pesquisa de base.
Se por importância entendermos o ganho imediato para o país, dependendo da área de atuação, qualquer resposta além de ‘não sei’, muito provavelmente será mentira. Se entendermos por importância o conhecimento adquirido pro Brasil, também seria no mínimo egoísta citá-los uma vez que os ganhos são para a disciplina e para a ciência em geral. Por isso nossos trabalhos devem ser reproduzidos e discutidos nos quatro cantos do planeta antes de ser realmente aplicado. Se a aplicação for descoberta primeiramente no Brasil, aí sim podemos falar em importância para o país. Mas para que isso aconteça, é preciso estar atento ao conhecimento. Por isso é importante que o conhecimento seja discutido e desenvolvido no Brasil. Criatividade para usar e aplicar o conhecimento nós temos de sobra, mas não se faz omelete sem ovos.
O que você acha da suspensão do programa para os novos candidatos? Acha uma perda para o país?
Esse é um assunto polêmico. Vejo muita gente reclamando da CAPES, do MEC, mas a agência e o ministério são vítimas do corte que o Governo impôs a eles. As agências não podem simplesmente enviar o aluno pro exterior e, no meio do estágio, cortar a bolsa de todo mundo e mandar voltar por falta de verba. Meses antes da minha saída do Brasil, em 2012, muitos bolsistas reclamavam dos atrasos constantes no pagamento. Eu saí com medo mas, felizmente, deu tudo certo e o pagamento das bolsas se estabilizou. Por outro lado sei que este problema pode arruinar os planos e sonhos de muitos bolsistas que já tinham se programado para ir, e agora não terão tempo hábil para adiar a viagem. É uma questão complicada que precisa ser observada pelos dois lados para tentar não ser injusto com nenhum deles. Na irresponsabilidade com a pesquisa dos doutorandos, a CAPES mostra sua responsabilidade com a vida dos mesmos lá fora. Nesse ponto eu concordo com a CAPES, o que não significa que sou a favor dos cortes.
Na sua opinião, qual seria a melhor solução a ser tomada pelos estudantes? E pelo governo?
Se quisermos reclamar e nos manifestar, isto deve ser feito para o Governo, não contra a CAPES. Talvez uma conversa com o ministro Renato Janine uma vez que ele já mostrou dar ouvidos para a opinião pública e tem algum diálogo com o Governo. Não acredito que resolva, mas ao menos é uma pressão que acredito fazer mais efeito do que uma reclamação contra a CAPES.
O problema é que entramos no novo ciclo. Infelizmente, as contas do Governo também sofreram bastante. Esta recessão é necessária frente à irresponsabilidade fiscal dos últimos quatro anos. Meu questionamento seria em cima das prioridades do Governo. Não vou simplesmente dizer que o Governo não está preocupado com a Educação e com a Ciência somente porque estes são os setores que mais afetam o atual momento da minha vida. Não tenho minhas conclusões sobre a situação dos outros setores e a redistribuição de verbas. A única coisa que posso dizer é que o Governo, no mínimo, deveria dar uma explicação bastante clara e objetiva sobre a motivação dos cortes e o redirecionamento destas verbas. Da mesma forma que temos que prestar contas ao Governo sobre nossas bolsas, acho que eles deveriam prestar contas aos que foram de alguma forma prejudicados por estes cortes.